A FIDELIDADE DO SENHOR.
PARTE I
Dezessete de setembro de
dois mil e dez, ao voltar do trabalho para casa, recebo uma chamada no celular;
- “Pai, vem depressa pra
casa que tem uma novidade”.
Era minha filha caçula;
curioso, pergunto que
novidade seria.
- “Calma pai é coisa
boa, mas só posso falar pessoalmente”.
Isto aguçou ainda mais
minha curiosidade, mas, para minha angustia o trânsito estava que era um
engarrafamento monstruoso, o que contribuiu para uma longa viagem nas prováveis
possibilidades.
Depois de muito tempo
consegui chegar em casa.
Ao chegar,
imaginando uma infinita variedade de opções.
Estavam todos
- minha esposa, minha sogra,
minha cunhada e minhas outras duas filhas; tenho três, me aguardando
no quintal com sorrisos nos olhos e um sonoro. - “parabéns vovô!!”.
A minha filha mais velha,
casada há dois anos, estava grávida;
- “tem certeza?”
Pergunto para ela, meio assustado.
- “tenho eu fiz o teste
e deu positivo”.
- “mas que exame você
fez?”, Pergunto novamente ainda meio que sem acreditar.
- “fiz o teste de
farmácia, e tenho certeza, estou grávida pai!”.
- “calma gente”,
digo ainda incrédulo.
- “não é melhor esperar
e fazer o exame de sangue pra confirmar?”.
- “pai, aceita a ideia
você vai ser avô” disse a futura mamãe.
Dei-lhe os parabéns meio
sem jeito e incrédulo, e festejamos ali aquele momento tão especial na vida dos
futuros pais; eu, confesso, continuava meio assustado.
À noite na hora de
dormir, fiquei horas conversando com minha esposa sobre a nossa nova realidade,
aos quarenta e sete e quarenta e seis anos, estávamos sendo promovidos da
condição de pais para a condição de avós.
Depois de horas de
imaginações, pegamos no sono.
Dia vinte de setembro,
dia do aniversário da minha esposa, levo minha filha ao laboratório para pegar
o resultado do exame de sangue, chega enfim a tão esperada confirmação,
minha filhinha, minha primogênita, aquela que tantas vezes dormiu sobre o meu
abdômen a fim de amenizar suas cólicas, aquela que teve médico particular,
estudou em escola particular, aquela por quem fiz todo o possível para dar o
melhor dentro dos limites possíveis, vai ser mãe...
...E nós vamos ser avós.
Que susto meu Deus, somos tão novos!
**********************************
Quinze de julho de mil
novecentos e sessenta e três. Nasci em Campina Grande, uma bela e promissora
cidade do estado da Paraíba, de acordo com minha mãe, em parto feito em casa
com a ajuda de uma parteira, por volta das dez horas da manhã. Minha mãe
contava com trinta e três anos de idade. Meu progenitor não quis assumir a
paternidade, nem sequer me conheceu, e minha mãe então, tendo que
trabalhar me deixou aos cuidados de uma tia; Esta tia, junto com seu marido,
cuidou de mim como seu próprio filho, ela já tinha dois filhos adultos que não
moravam com ela. Eu até hoje tenho muito carinho por sua pessoa.
Toda a minha primeira
infância foi em sua casa, na roça. Minha memória me faz lembrar coisas como:
tomar leite de vaca ou de cabra tirado na hora numa caneca feita de lata de
litro de óleo de soja, - antigamente
o óleo de soja vinha em latas - coalhada, angu com leite, cuscuz de milho com
leite, comer quixaba, algaroba, pitomba, umbu, típicas
frutas da região. Apanhar água em lombo de burros nas cacimbas - poços naturais de água doce que nascia no meio de
grandes pedregais - um milagre da natureza criada por Deus. Buscar ovos
nos ninhos das galinhas e das patas, ter ganhado uma mini-enxada para ajudar na capina da roça, ter ganhado um potrinho, ver meu tio matando carneiro
para o alimento do mês, e esticando sua pele com varas de marmeleiro, um arbusto da região, e
colocando para secar ao sol, havia um processo que era feito para que a pele
não viesse a apodrecer, e depois de seca, esta pele era vendida ou pendurada na
parede da sala, onde ficavam os silos de feijão e de milho; lembro ainda de
minha tia torrando e moendo café, ou milho para fazer fubá. Lembro de uma vez
que cai sobre uma pilha de algodão recém-colhido que ficava da embaixo rede
onde dormia, foram bons momentos. Se fechar os olhos consigo ver claramente
todas as áreas do sítio de minha tia.
Uma fato desta época
ficou em minha mente de modo claro e marcante: um dia minha mãe foi me visitar
e levar a ajuda financeira que sempre levava para minha tia, e algumas roupas
para mim, neste dia eu queria a todo custo ir com ela, mas eu não sabia que não
poderia, e fiz o maior escândalo que uma criança de três ou quatro anos sabe e
pode fazer, acompanhei minha mãe até o ponto onde ela apanharia o ônibus de
volta a cidade, eu estava descalço e só de calção. Em algum momento minha mãe
viu ao longe o ônibus vindo, (sei disso hoje) e aparentemente “concordou” em me levar, mas para
isso eu teria que voltar em casa e vestir uma camisa e calçar um chinelo, eu
inocentemente aceitei a sugestão dela, e fui colocar a camisa e calçar o
chinelo, voltei eufórico e correndo; para minha decepção minha mãe tinha “sumido”, minha mãe pegou o ônibus e me
deixou ali, chorando aos prantos, voltei para o colo de minha tia que,
carinhosamente me consolou, mais tarde vim a entender os porquês daquele
terrível momento. Se foi ruim para mim imagine para minha mãe.
Algum tempo depois minha
mãe foi então me buscar para morar definitivamente com ela, pelo que me lembro,
eu tinha nesta época mais ou menos cinco ou seis anos de idade. A casa de minha
tia era a partir deste momento então o local onde eu iria passar as férias
escolares ou passear. Minha mãe agora tinha como cuidar de mim, pois havia
conhecido uma pessoa, que aceitou me assumir como seu filho, esta pessoa viajava
muito para as cidades de Recife e João Pessoa, e eu ficava só com minha mãe,
desta época lembro-me de dois momentos; um quando minha mãe ao se preparar para
passar roupas tomou um choque elétrico que a jogou a três ou cinco metros de
distância; a rede elétrica em Campina Grande era ou é, de duzentos e vinte
volts, e outro quando pela primeira vez chamei o marido de minha mãe (eles não eram casados de fato) de pai, e foi engraçado porque eu
no susto juntei ao titulo de pai, o nome dele, isso resultou numa forma
engraçada de chamamento.
Nós fomos morar numa
casa de esquina na Rua Paulo de Frotim, depois fomos morar na Rua Oito de
dezembro, onde o meu padrasto havia comprado uma casa, nesta casa nasceu meu
primeiro irmão, era o ano de mil novecentos e sessenta e oito, ali também
comecei a estudar com uma vizinha que dava aulas em casa para um grupo de
crianças, ali aprendi a ler e escrever, eu lia quase tudo que é palavra que
passava na TV, as pessoas achavam o máximo as minhas tentativas de ler, desta época
lembro de ficar sempre lendo os créditos dos programas de TV da época, lembro
que meu padrasto me matriculou em uma escola estadual, o ingresso nesta escola
era muito difícil, mas ele conhecia o diretor da escola, um juiz de menores da
cidade à época; as orientadoras pedagógicas quiseram me colocar na primeira
série, e ele não permitiu, exigindo que fizessem uma prova comigo, para
comprovar que eu poderia tranquilamente ir direto para a segunda série, e assim
foi feito, e lá fui direto para a segunda série da Escola Estadual de Ensino
Fundamental de Aplicação, anexo a Escola Normal Estadual Padre Emídio Viana
Correia, onde estudei a segunda e terceira séries. Uma vez voltando da escola
para casa parei pra ver a montagem do circo Orlando Orfei que estava na cidade,
fiquei por ali rodeando “ajudando”
até que ganhei uma entrada para a estreia, minha mãe preocupada com minha
demora, e eu realizando o “sonho da vida”.
fui ao circo pela primeira vez, pelo
meu próprio esforço.
Estávamos morando na rua
Dr. Severino Cruz, pela primeira vez, foi um período muito curto. Logo nos
mudamos e fomos morar no bairro chamado José Pinheiro, na rua Fernandes Vieira,
a referência era o Hospital do Dr. Edgley - hoje Hospital da Criança, neste
endereço nasceu meu segundo irmão, era o ano de mil novecentos e setenta;
lembro que ao lado da nossa casa havia um centro de umbanda onde sempre
aconteciam festas até tarde da noite, com música alta e muito foguetório,
na noite em que meu irmão nasceu - ele nasceu em parto feito em casa -
aconteceria mais uma destas noites festivas, mas por respeito a minha mãe, eles
não tocaram suas musicas alto, nem explodiram seus fogos, até encerraram mais
cedo sua programação, e esta atitude deixou minha mãe surpresa e agradecida.
Mudei de escola e fui
estudar na Escola Estadual Clementino Procópio, nesta época havíamos voltado
para a rua Dr. Severino Cruz, agora por um período maior, nesta escola cursei a
quarta serie, tendo sido pela primeira vez reprovado o que me levou às lágrimas
em plena sala de aula. Nesta ocasião aconteceu algo marcante para mim: um belo
dia vinha da escola como qualquer garoto de dez anos, brincando pela rua,
chutando uma pedra aqui outra ali, quando decidi andar sobre uma mureta que há
em volta do açude velho - um grande açude que existe no centro de Campina
Grande - era a parte mais funda do tal açude, de repente tropecei e cai! Neste
ponto do açude havia muitas gigogas, naquela época eram os presos da cidade quem
executavam a limpeza do açude, primeiro virando-as de raiz para cima
deixando-as morrer e secar para depois retirá-las do açude, pela graça de Deus,
eu caí exatamente em cima destas gigogas, que com seus bulbos para cima não me
permitiram afundar, literalmente andei
sobre as águas, ninguém me viu cair e ninguém me ajudou a sair, não fosse Deus,
eu teria morrido afogado e ninguém teria visto, cheguei em casa todo molhado,
inclusive alguns livros. Aquelas gigogas morreram, mas me salvaram. Isso me
lembra de algo!.
Nesta época havia uma
vizinha evangélica, uma senhora que era cega de um olho, mas com uma visão fora
de série, casada com um senhor que era um conhecido retratista (ele copiava e
ampliava retratos à mão livre, um senhor artista!) de Campina Grande, este
senhor era maçom e eles tinham um filho que era um dos amigos que eu tinha à
época; a casa desta senhora era nosso
ponto de encontro para assistir televisão, dos quatro amigos eu era o único que
não tinha televisão em casa ainda, a única exigência desta senhora era que nos
domingos fossemos todos à igreja com ela, o nome da igreja era Tabernáculo
Evangélico - que foi criada no espaço onde havia um restaurante chamado "enche-
pança" - e todos nós íamos.
Meu padrasto sempre
arrumava trabalho para mim com seus conhecidos, mas eu era um garoto muito
arteiro, e uma das minhas artes foi em
mercado; ao comprar material para a lanchonete na qual trabalhava, não
vi mal nenhum em colocar dentro da roupa um baralho que tanto queria, já havia
feito isto uma outra vez sem problemas, mas ao sair fui abordado pelo segurança
da loja, que me levou para um reservado e conversou comigo me dizendo que via
ser eu um menino de família, e que eu não deveria fazer aquilo, que era errado,
me tratou com muito cuidado, aquele flagrante me fez nunca mais entrar no mesmo
mercado de novo e a não repetir a arte...
até mais tarde...
Nesta época nós morávamos ainda na Rua Dr. Severino
Cruz e ali nasceu meu terceiro irmão, era o ano de mil novecentos e setenta e
dois. Agora éramos uma família de seis pessoas, e a novela da ocasião na
extinta TV Tupi era “Éramos Seis”.
Meu padrasto bebia de
tempos em tempos, e quando começava a beber ele passava entre trinta a quarenta
e cinco dias bebendo direto ficando em um estado lastimável, tanto moral,
quanto físico e emocional, quando parava, ele tinha alucinações e devido a
abstinência, ele via demônios em todos os cantos da casa, em uma destas
ocasiões pedi a minha mãe para convidar aquela senhora evangélica para fazer
uma oração lá em casa, para meu padrasto parar de beber, minha mãe não gostava
muito de crentes, mas concordou, e assim foi feita a oração por aquela senhora
e uma irmã da igreja que tocava teclado no grupo musical da igreja de nome
Shallon (Paz). Meu padrasto não parou de beber nesta época, só anos mais tarde
graças a Deus.
Nenhum comentário:
Postar um comentário